Comédia Coitada (#1)


César Alves

“Nunca fui do tipo que defende a luta de classes. Acho que existem facínoras miseráveis e milionários, assim como minha conta bancária negativa, meus dias de fome e a eterna fuga do proprietário de meu barraco alugado atrás dos alugueis atrasados não me fazem puro de coração. Conheci gente rica capaz de uma solidariedade verdadeiramente sincera que de mim não espero nem no câncer. Mas o pornógrafo que trago em mim, traz desde a adolescência um ímpeto revolucionário incitado pela Pornochanchada! Um conceito de anarquismo inspirado pela sessão de cinema brasileiro Sala Especial, lembra? A cena é clássica, aparece em mais de um filme. O jovem e ingênuo limpador de piscina está fazendo seu trabalho numa manhã ensolarada e o patrão sai para trabalhar, deixando sozinha a esposa gostosa. Vera Fischer, Darlene Glória, Sônia Braga, Aldine Muller e até a nossa clássica ninfeta dos anos oitenta, Luciana Vendramini (aqui a trama mudava da patroa para a filha do patrão), entre outras, fantasiei com todas! Poupando detalhes, o empregado é seduzido pela patroa e, mesmo no menino de meus doze anos, na fantasia de comer a mulher do patrão, sempre vivenciei a vingança do proletariado!”

“Alguma vez, chegou a realizá-la?”

“Não. Nunca! Mas certa vez, em minha ingenuidade de garoto, cheguei a imaginar que aconteceria. Na época, eu devia ter uns catorze anos, fazia bicos com meu tio, Otávio, como faz tudo em mansões e casas de granfinos dos bairros chiques de São Paulo. Lembro-me de estarmos instalando uma banheira de hidromassagem e ter me apaixonado pela mulher do patrão logo de cara. Máquina de corpo escultural, algo entre a Tereza Collor e a Dóris Giese, quando apresentava o programa Dóris Para Maiores, saca? Nem sei porque pensei nas duas ai, mas acho que é por causa da elegância Tereza, que fez muitos adolescentes da nossa época se trancar no banheiro por causa de uma CPI, e da escultura física da Giese. Não importa. Sei que a mulher começou a falar comigo, perguntar sobre os estudos, me dar atenção e os hormônios em pororoca, logo interpretaram como a chave tão desejada para a boa sacanagem. Simpática, levou um copo de suco antes de sair e se despedir com educação. Não era um comportamento comum, acredite. Meu tio saiu para ver outro trabalho e me deixou arrancando os velhos azulejos e a antiga banheira na base da marreta. Beleza, naquela idade, ganhar para destruir coisas. Tão bom que acabei por me distrair e o prazer da desconstrução só foi interrompido quando percebi que o cachorro da família estava revirando minhas coisas e já tinha devorado toda a minha marmita. A boa empregada da casa ficou com pena e me preparou um lanche, me salvando de passar o dia com fome. O resto da tarde foi todo gasto na fúria de destruir o banheiro e levar entulho até a caçamba, enquanto a imaginação criava na mente safada as mais deliciosas sacanagens que esperava fazer com a patroa, caso minhas suspeitas estivessem certas. Meu tio ligou e disse que iria se atrasar. Eu já tinha terminado o trabalho, banho tomado no banheiro da empregada e, vendo que a esposa do patrão acabava de retornar e a empregada parecia pronta para encerrar o expediente, já torcia para que meu tio se atrasasse um pouco mais. Ela, novamente foi elegante e educada, me cumprimentou com um sorriso e subiu para a parte de cima da casa. A empregada subiu uns dez minutos depois e acho que ficaram conversando alguns minutos lá em cima. A empregada passou por mim e parecia preocupada com algo. Não se despediu, mas percebi que ia para casa. Foi quando o objeto de meus desejos desceu as escadas, estava com os cabelos molhados, percebia-se que vinha do banho, o aroma de sabonete, shampoo e cremes hidratantes, deve ter invadido a casa. Ele seguia determinada em minha direção e tive a certeza: É hoje! O Operário, finalmente, se vinga. Hoje o proletário come a mulher do patrão! Ela, então, se aproximou, não parecia mais simpática como ainda há pouco. Parecia nervosa e de maneira inquisitiva, me perguntou enérgica:

_ O que tinha na marmita?

Acho que não entendi direito e, em minha timidez, nada respondi. 
Ela, já parecendo perder a paciência, disse:

_ A Graça me disse que o cachorro comeu sua marmita. O que tinha de comida?

_ Comida caseira que minha mãe fez. Arroz, feijão e frango, acho...

Ela pôs as mãos na cabeça e deve ter resmungado, enquanto se virava:

_ Meu Deus, ele não tá acostumado com isso! Vai matar meu cachorro!

Quando a vi pela última vez, entrava no carro com o cão. Seu motorista saiu cantando os pneus como quem corre contra o tempo para salvar uma vida em situações de emergência. Pouco antes, enquanto a patroa buscava o cachorro, o motorista pedira-me para ir esperar por meu tio na calçada, do lado de fora da residência. Garoava, ela ao se despediu e nem mesmo me olhou nos olhos... Por causa do trânsito, meu tio levou mais de duas horas para chegar, me encontrando molhado e envergonhado. Felizmente, no dia seguinte voltavam as aulas e meu tio me dispensou do trabalho e nunca mais a vi...”
“Tomara que o cachorro tenha morrido!”
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